Carlos Fernando Santos Lima

Quem já teve problema com cheque especial ou atrasou o pagamento de um empréstimo a banco sabe a capacidade que os juros do sistema financeiro têm para multiplicar as dívidas. E também sabe que as instituições não descansam enquanto não conseguirem a quitação por parte dos devedores. A nova fase da Lava Jato, chamada Passe Livre, mostra, no entanto, que nem todos vivem essa realidade. Enquanto pequenos devedores se descabelam para conseguir honrar seus compromissos com os bancos pelo país, os envolvidos nas investigações, como o empresário José Carlos Bumlai, preso nesta terça-feira (24), não eram incomodados com essas questões. Pelo contrário, passavam-se anos sem que houvesse cobrança ou juros e ainda houve o perdão de valores concedidos por “pontualidade”, mesmo após quatro anos sem a quitação de uma única parcela, como mostraram os investigadores, referindo-se ao crédito de R$ 12 milhões concedido pelo Banco Schahin em 2004.

De acordo com o próprio Salim Schahin, um dos donos do banco que leva seu sobrenome e que atualmente colabora com a justiça em regime de delação premiada, o valor foi direcionado ao Partido dos Trabalhadores e em contrapartida Bumlai garantiu para uma das empresas do grupo Schahin um contrato de R$ 1,6 bilhão com a Petrobrás, para o afretamento da sonda Vitória 10000.

Os investigadores tiveram um trabalho intenso para rastrear o caminho desse dinheiro e esclareceram a operação complexa em entrevista coletiva nesta terça. Segundo o procurador Diogo Castor de Mattos, o banco não cobrava a dívida, apesar do não pagamento. Quando chegou em dezembro de 2005, o valor havia atingido R$ 18 milhões e a instituição precisava dar esclarecimento ao Banco Central sobre o empréstimo. Para isso, fez um novo empréstimo ao devedor, agora no valor de R$ 18 milhões, em nome de uma das empresas de Bumlai, que quitou a dívida antiga e ficou com a nova. Passou o novo prazo para a quitação e ainda nada foi pago, até que o banco Schahin repassou a dívida para outra empresa do grupo, a securitizadora Schahin. Em 2009, quando se deu a contratação da sonda, a companhia excluiu os juros da dívida, perdoou uma soma de R$ 6 milhões por “pontualidade” no pagamento e simulou, segundo os investigadores, a quitação dos R$ 12 milhões iniciais a partir de uma operação de venda de embriões das fazendas da Schahin no Maranhão para as empresas de Bumlai.

Os procuradores afirmaram que essa quitação representou uma espécie de registro dos recebimentos ilícitos relacionados ao contrato da sonda da Schahin e contaram que há uma série de outros empréstimos de instituições financeiras que não foram quitadas e que não eram cobradas de seus devedores.

“Algumas empresas nunca cobraram dos devedores e alguns devedores nunca pagaram. Alguns desses empréstimos ficaram cinco, seis, até nove anos sem serem pagos. Não se verificou a cobrança de juros, nem o credor exerceu algum poder de cobrança sobre o devedor. Nem empresas, nem bancos, sendo que têm agentes políticos e agentes privados como beneficiários”, afirmou Roberto Leonel, auditor da Receita Federal, que ampliou a participação nas investigações.

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima (foto) afirmou ainda que esse método de simulação de pagamentos já havia sido visto nas investigações do Mensalão e que constava do depoimento dado à época por Marcos Valério. Ele afirmou ainda que as investigações da nova fase da Lava Jato descobriram que o tesoureiro do PT Delúbio Soares foi ao banco Schahin para tratar do empréstimo e disse que a Casa Civil faria uma ligação para o banco para ratificar o pedido. Nos registros, os investigadores comprovaram um telefonema dado pelo então ministro José Dirceu, atualmente preso por acusações relacionadas à Operação.

Os empréstimos dados pelo BNDES às empresas da família Bumlai também entraram na mira das investigações, e agora elas serão ampliadas neste sentido.

De acordo com o Ministério Público, a empresa São Fernando Açúcar e Álcool foi beneficiada em um empréstimo de R$ 64 milhões do BNDES quatro meses após o crédito concedido pelo banco Schahin. Segundo a Receita Federal, nessa época a empresa estava inativa, sem funcionários. Em 2008, houve um segundo empréstimo, de R$ 350 milhões, num momento em que já havia um pedido de falência protocolado contra ela. Em 2013 ela entrou em recuperação judicial e apenas recentemente o BNDES pediu a falência dela.

“Hoje o crédito de mais de R$ 400 milhões do BNDES ainda não foi pago. Foi sendo concedido e não foi sendo pago. A investigação ainda é incipiente, mas está em andamento”, afirmou Carlos Fernando, explicando que há ainda outra empresa da família Bumlai, em sociedade com a família Bertin: a São Fernando Energia, que recebeu um novo aporte de R$ 104 milhões do BNDES em 2012. Naquele ano, ela tinha sete funcionários, com capital de 10 mil reais e no mesmo ano deu um salto no capital social para R$ 30 milhões.

“Então estes fatos estão sob investigação, para saber se a liberação desse crédito seguiu as normas do banco ou se houve alguma desconformidade”, afirmou, pontuando que a análise sobre os procedimentos do BNDES deve ganhar mais corpo daqui pra frente: “a Lava Jato tem se esforçado para verificar o uso de qualquer empresa ou órgão público para formação de caixa para partidos políticos. O objetivo é mostrar que é uma corrupção de fundo político, não apenas uma corrupção de funcionários da Petrobrás”.

 Fonte : http://www.petronoticias.com.br/archives/77305