O Brasil ultrapassou a marca de 37 mil mortes na pandemia da Covid-19 e atualmente é o terceiro país do mundo com o maior número de óbitos decorrentes da doença, com índice abaixo apenas ao dos Estados Unidos e do Reino Unido. Ao mesmo tempo, diversas regiões do país planejam a retomada do comércio com medidas de prevenção à disseminação da doença, enquanto os profissionais de saúde seguem na linha de frente do combate ao novo coronavírus. Especialistas lembram que esses profissionais são os trabalhadores que mais correm risco de saúde durante a crise sanitária e que, por conta disso da exposição a agente biológico, possuem direito à chamada aposentadoria especial. Entretanto, para se aposentar nesta modalidade, é necessário que o trabalhador conheça bem as suas regras e saiba o que mudou no ano passado com a reforma da Previdência.

O benefício da aposentadoria especial é garantido a todo trabalhador que mantém contato no exercício de sua função com agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos de forma contínua e ininterrupta e em níveis acima dos permitidos por lei. A comprovação é feita a partir da apresentação pelo trabalhador do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), formulário fornecido pela empresa que detalha o agente nocivo ao qual o funcionário esteve exposto, assim como o tempo de exposição.

“A aposentadoria especial é sem dúvida foi o benefício mais prejudicado com a reforma da Previdência. Por isso, os profissionais devem analisar com cuidado as mudanças. O mais importante é ter o máximo de informação possível”, recomenda Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados.

Trabalhadores que consigam comprovar o tempo insalubre até a data de 12 de novembro de 2019, antes da entrada em vigor da reforma, têm direito à aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de trabalho a depender de sua atividade. É necessário que o período tenha sido cumprido de forma total antes desta data. No caso dos profissionais de saúde, a regra antiga exige apenas o tempo mínimo de 25 anos.

Agora, com a aprovação da reforma da Previdência, os trabalhadores tem que comprovar uma idade mínima, além do tempo de contribuição, para ter acesso ao benefício. São exigidos 55 anos de idade, quando se trata de atividade especial de 15 anos de contribuição; 58 anos de idade para atividade especial de 20 anos de contribuição; e 60 anos de idade, quando a aposentadoria corresponder ao tempo de contribuição de 25 anos, a exemplo dos profissionais de saúde. Ainda foi proibida a chamada conversão do tempo especial em comum, técnica utilizada para aumentar o tempo de contribuição necessário para alcançar o direito à aposentadoria comum.

A reforma previu regras de transição para segurados que até a data de 12 de novembro ainda não haviam preenchido os requisitos para a aposentadoria especial. O critério consiste na somatória da idade mínima com o tempo mínimo de serviço especial, de modo que são exigidos 66 pontos para 15 anos de atividade especial; 76 pontos para 20 anos de atividade especial; e 86 pontos para 25 anos de atividade especial.

João Badari, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, ainda lembra que a reforma alterou o cálculo do benefício, que correspondia à média dos 80% maiores salários de contribuição a partir de julho de 1994. Após a entrada em vigor da reforma, deixaram de ser desconsiderados os 20% menores salários de contribuição e o cálculo passou de 100% da média para 60% mais 2% a cada ano contribuído após 15 anos de contribuição, no caso das mulheres, e depois de 20 anos, no caso dos homens. “Se você vai se aposentar com 25 anos de tempo especial, o benefício que era de 100% agora será de 80% para mulheres e 70% para homens. Homens precisarão de 40 anos e, mulheres, de 35 anos de serviço para obterem o benefício integral de 100%”, orienta.

Entre os profissionais que têm direito a aposentadoria especial estão: édicos, dentistas, enfermeiros, podólogos, metalúrgicos, fundidores, forneiros, soldadores, alimentadores de caldeira, bombeiros, guardas, seguranças, vigias ou vigilantes, frentistas de posto de gasolina, aeronautas, aeroviários, telefonistas, telegrafistas, motoristas, cobradores de ônibus, tratoristas, operadores de máquinas de raio-X, entre outros.

As novas regras da aposentadoria especial possuem validade para trabalhadores do setor privado e para os servidores públicos federais. A crise sanitária fez com que fosse paralisada na Câmara dos Deputados a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 133/2019. A PEC amplia os novos critérios para servidores dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Outra previsão da proposta é retomar o cálculo com base na média dos 80% maiores salários a partir de julho de 1994 e instituir uma transição mais lenta. “Esse percentual passaria para 90% a partir de 1º de janeiro de 2022 e para 100% a partir de 1º de janeiro de 2025”, afirma Erick Magalhães, advogado previdenciário e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados.

Julgamento

Os profissionais de saúde e os demais trabalhadores, conforme os especialistas, ainda devem ficar atentos a possível nova mudança nas regras da aposentadoria especial. Isto porque o Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir nos próximos dias se o segurado do INSS pode seguir com o trabalho em atividades laborais nocivas à saúde após receber a aposentadoria especial.

Atualmente, a autarquia defende que a legislação previdenciária não dá tal permissão. O STF já permite aos servidores públicos, desde o ano de 2006, a opção de permanecer no ambiente de trabalho insalubre.

“A essência da aposentadoria especial seria de uma aposentadoria que impedisse que esse trabalhador permanecesse em atividade, dentro de critérios que observem a sua saúde e segurança. Há uma certa compulsoriedade na aposentadoria especial em garantir a proteção à saúde desse trabalhador que impediria que ele permanecesse em atividade depois de se aposentar nessa modalidade”, analisa Leandro Madureira, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados.

O caso chegou ao Supremo em 2014, começou a ser julgado no último dia 29 de maio e já tem um voto a favor da proibição, proferido pelo ministro relator do caso, Dias Toffoli. Entretanto, na opinião do advogado previdenciário Ruslan Stuchi, o correto seria que segurados do INSS recebessem a mesma permissão já dada a servidores públicos. “Deve haver uma paridade, tendo em vista que não há nenhuma justificativa para regra ser diferente para servidores e celetistas”, defende.

Para Erick Magalhães, o trabalhador que recebeu a aposentadoria especial também não deve ser alvo de proibição. “O trabalho é um direito constitucional e social. Não se pode proibir um cidadão de exercer seu ofício, sob pena de violar a dignidade da pessoa e a sua livre iniciativa”, finaliza.