Iniciativas da sociedade civil, dos governos e entidades devem ser permanentes para evitar que novas epidemias atinjam a população

O calor intenso e os períodos de chuva tendem a diminuir com o fim do verão. Apesar de ser nessas condições que o Aedes aegypti encontra locais mais propícios para procriar e se propagar, o controle dos criadouros do mosquito deve permanecer contínuo para que epidemias das arboviroses – dengue, chikungunya, zika e febre amarela – não afetem a população ao longo do ano.

“As ações de combate ao Aedes aegypti têm que ser cotidianas, intensivas, diuturnas. Precisam fazer parte das nossas necessidades e obrigações essenciais. Se potenciais criadouros forem eliminados em definitivo nas épocas de baixa incidência de dengue, por exemplo, não serão necessariamente as chuvas e o calor que viabilizarão as epidemias. Se tiver chuva e calor, mas não tiver reservatório com água empoçada, onde o mosquito possa por seus ovos, a epidemia não acontece”, afirma Bernardino Alves Souto, docente do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), especialista em Epidemiologia e representante da Instituição no Comitê Municipal de Combate à Dengue de São Carlos.

Para ele, as medidas adotadas pelo Brasil para combater as arboviroses não se mostram eficazes. “A prova disso é que a dengue voltou ao País na década de 1980 e as epidemias têm vindo cada vez mais próximas umas das outras, cada vez com maiores incidências e maior letalidade.

Além disso, novas doenças transmitidas pelo mesmo vetor estão surgindo”, aponta Alves Souto. O professor considera que o problema das arboviroses no Brasil está ligado a questões mais amplas como o planejamento urbano inadequado, sistemas precários de limpeza urbana e de drenagem pluvial, ocupação desordenada do espaço, construção e distribuição irregulares de moradias e um sistema de coleta, tratamento e destinação do lixo ineficaz. “Além disso, há falta de educação e ausência de investimentos em formação cidadã para o cuidado com a saúde coletiva e com o meio ambiente e negligência política e social em relação à saúde pública”, acrescenta.

Nesse contexto, o professor da UFSCar afirma que as medidas e diretrizes de combate às arboviroses sistematicamente aplicadas pelos governos são ineficientes por não focalizarem objetivamente a origem sistêmica do problema e por serem técnica e cientificamente frágeis. “Não quero dizer que devemos deixar de lado o que tem sido feito até agora, mas continuarmos limitados ao que já é feito, significa assumirmos que não há disposição nem interesse em combater efetivamente as arboviroses urbanas em nosso País”, defende. Para melhorar a competência nacional no combate a essas doenças, Alves Souto destaca que é preciso apoio institucional, qualificação e condições adequadas de trabalho para os profissionais da Saúde e Educação, valorizando mais as práticas necessárias ao combate em detrimento de atividades burocráticas.

Além disso, outro ponto defendido por Alves Souto é o engajamento da sociedade na luta contra o mosquito. Ele sugere, por exemplo, que espaços como igrejas, associações de bairros, ONGs, sindicatos, clubes e outros espaços coletivos debatam o atual modelo social e urbano favorecedor de arboviroses. “É importante transformar essas reflexões em intervenções socioculturais e políticas por uma mudança no modo de vida e nas relações sociais e pessoais. As pessoas precisam entender que os espaços devem ser cuidados por todos, que todos precisam cobrar, de si e dos outros, práticas contínuas de conservação e limpeza dos espaços públicos e privados, tanto quanto mobilizarem-se para exigir do poder público uma gestão ética e responsável do ambiente urbano”, destaca.

Do ponto de vista das pesquisas atuais, Bernardino Alves Souto diz que vários estudos têm sido feitos no sentido de encontrar possibilidades de controle do Aedes por estratégias químicas ou biológicas, além dos esforços na produção de vacinas. “No entanto, até agora nenhum desses estudos resultou em algo prático que seja epidemiologicamente útil”, pondera ele.

Ações em São Carlos
Desde o início deste ano, a Prefeitura Municipal de São Carlos já empreendeu diversas ações de combate ao mosquito e de orientação à população, como a terceira edição do Mutirão Regional de Combate ao Aedes aegypti, realizado em parceria com TV local, e o projeto “Vem brincar no Santa Felícia”. Também já foram realizados mutirões de limpeza em áreas públicas e no entorno de escolas em cinco bairros diferentes – Cidade Aracy, Santa Angelina, São Carlos VIII, CDHU e Zavaglia.

As ações do Programa de Vigilância e Controle do mosquito no Município, como vistoria e pesquisa larvária em imóveis residenciais, comerciais, industriais, estabelecimentos de ensino, unidades de saúde e terrenos baldios são realizadas durante todo o ano.

De acordo com Denise Scatolini, instrutora da Equipe Municipal de Combate à Endemias, da Vigilância Epidemiológica (Vigep) de São Carlos, “todas as medidas têm por objetivo principal orientar a população sobre a importância de manter o ambiente livre de criadouros do Aedes aegypti, alertar sobre os sintomas das arboviroses e encaminhar os casos suspeitos às unidades de saúde”. Ações de comunicação social nas redes sociais; distribuição de material nas unidades de saúde, escolas e indústrias; palestras, treinamentos e parcerias com empresas para orientações sobre arboviroses e combate ao vetor estão programadas para acontecerem ao longo de 2018.

Casos registrados e vacinação
De acordo com Scatolini, até o dia 16 de março foram confirmados, em São Carlos, sete casos de dengue (cinco autóctones e dois importados); 20 notificações de chikungunya, uma de zika e sete de febre amarela, todas com resultado negativo.
Em relação à febre amarela, Kátia Regina Spiller, Chefe da Seção de Apoio à Vigilância em Saúde e Controle de Endemias de São Carlos, afirma que até o dia 9 de março desse ano, foram administradas 6.633 doses da vacina contra a doença na cidade. Ela explica que, por São Carlos ser área de recomendação permanente da vacina desde 2008, “o município nunca utilizou e nem utilizará a vacina fracionada, aplicando sempre a dose padrão [0,5 ml subcutânea] – dose única que protege por toda a vida”. A vacinação contra a febre amarela está disponível diariamente em todas as unidades básicas de saúde de São Carlos e semanalmente nas unidades de saúde da família, mediante agendamento ou prioridade. Em 2017, por meio da Vigep, também foi feita a vacinação contra a febre amarela em toda a zona rural da região.

O professor Bernardino Alves Souto aponta que a vacina contra a febre amarela é muito eficaz e segura, mas deve ser evitada em crianças menores de 9 meses; gestantes; transplantados; pessoas em tratamento contra o câncer; mulheres que estão amamentado; pessoas com problemas imunológicos, com doenças febris agudas ou doenças crônicas graves; maiores de 60 anos; alérgicos, principalmente a ovo ou a alguns antibióticos. “Pessoas com problemas que podem, potencialmente, contraindicar a vacina da febre amarela, deverão decidir se a tomarão ou não, junto com médico”, alerta.

Essa decisão deve considerar a relação entre o risco oferecido pela vacina e o risco de se contrair a febre amarela caso não receba a vacina, o que depende das condições de saúde da pessoa e seu histórico de vacina frente às contingências epidemiológicas de ocorrência da febre amarela no lugar onde ela mora ou frequenta.

Em 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma vacina contra a dengue, mas Alves Souto aponta que ela possui baixo poder de imunização não evitando epidemias, além de apresentar alto risco de ocasionar casos mais graves da doença. O professor da UFSCar também cita que é possível pensar em vacinas contra zika e chikungunya, mas alerta que não há pesquisas, pelo menos em estágio avançado, sobre isso. “Por enquanto, entre as arboviroses com potencial epidêmico urbano, só há vacina eficaz contra a febre amarela”, conclui.